Quatro Anos de Experência na Aplicação da Resolução CGPC nº 26

Quatro Anos de Experência na Aplicação da Resolução CGPC nº 26

Os limites do poder regulador é um tema, por si só, bastante complexo, merecedor de várias obras jurídicas e correntes doutrinárias diversas. Que se dirá quando o Estado se propõe a regular matéria tão controversa como a distribuição de superávit e o equacionamento de déficit dos Fundos de Pensão, lidando com a expectativa de milhões de participantes e assistidos dessas entidades. A edição da Resolução CGPC nº 26, de 29 de setembro de 2008, foi uma medida precedida de muitos debates e controvérsias, algumas das quais permanecem até hoje, principalmente no âmbito judicial. Mas, com todas as polêmicas, a norma já ultrapassou seus quatro anos de existência, merecendo um olhar mais atento sobre a forma como tem sido aplicada durante esse período.

Inicialmente é importante ressaltar que déficit e superávit são conceitos essencialmente contábeis. Como se pode extrair da Resolução CFC nº 1.409, de 21 de setembro de 2012, tais definições são utilizadas por entidades sem finalidade lucrativa no lugar das expressões lucro ou prejuízo, próprias para entidades que visam lucro.

Esses conceitos foram incorporados pela legislação, em especial pela LC nº 109/2001 e pela Resolução CGPC nº 26/2008, que agregaram regras específicas, aplicáveis às entidades fechadas de previdência complementar, tanto sobre destinação de superávit quanto a respeito de equacionamento de déficit. Vale observar que os atos praticados antes da Resolução CGPC nº 26/2008, relativos à distribuição de superávit ou equacionamento de déficit, devem ser analisados apenas sob o ponto de vista de sua conformidade com os ditames da LC nº 109/2001 e dos regulamentos então em vigor. Tais atos estão protegidos pela figura do ato jurídico perfeito, desde que a decisão tenha sido definitivamente tomada antes da entrada em vigor da Resolução, em 1º de outubro de 2008. Nesse sentido é o entendimento do órgão supervisor, que tem interpretado a regra do artigo 32 de forma ampla, apenas afastando as decisões anteriores à vigência da Resolução quando contrariem frontalmente as disposições da LC nº 109/2001.
Dessa forma, as considerações a seguir servem, principalmente, para as decisões tomadas a partir de 1º de outubro de 2008.

Distribuição de superávit O artigo 7º da Resolução CGPC nº 26/2008 define o conceito de reserva matemática como o montante de recursos necessários para garantir o pagamento dos benefícios cujo nível seja previamente estabelecido o custeio seja determinado atuarialmente.
Em sintonia com o que determina o artigo 20 da LC nº 109/2001, a Resolução estabelece também a necessidade de constituição de reserva de contingência e de reserva especial. Apenas a reserva especial eventualmente constituída deve ser utilizada para a revisão do plano de benefícios (arts. 7º e 8º). Um aspecto ainda pendente de esclarecimento pelo órgão supervisor refere-se à forma de contagem do prazo para revisão obrigatória do plano de benefícios, determinada pelo artigo 20, § 2º, da LC nº 109/2001.

A nosso ver, o termo inicial para a contagem dos três anos inicia-se apenas após o encerramento do primeiro ano em que constatada a existência de superávit, com constituição de reserva especial. Afinal, afirma a norma que a apuração do resultado ocorre apenas ao final de cada exercício (art. 3º), e que a entidade poderá rever o plano de benefícios voluntariamente durante três exercícios (arts. 12 e 13). Somente após esse prazo é que a revisão passa a ser obrigatória.

Não havendo como se exigir a destinação de reserva especial ainda não constituída, não vislumbramos possibilidade de se incluir o primeiro exercício na contagem. Apesar de, em mais de uma ocasião, termos nos deparado com manifestações em sentido contrário do órgão supervisor.

A revisão obrigatória, se envolver a alteração do regulamento do plano ou a reversão de valores, deve ser submetida à apreciação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC. Nessa oportunidade será verificada a observância aos procedimentos e parâmetros mais conservadores previstos na norma para a distribuição do superávit. A destinação da reserva especial deverá observar a proporção contributiva (contribuição normal), identificando os montantes atribuíveis aos participantes e assistidos, de um lado, e ao patrocinador, de outro (art. 15, Resolução CGPC nº 26/2008).

O grande desafio, neste ponto, tem sido a definição do período em que foram constituídas as reservas, sendo certo que o artigo 33 permitiu ao órgão supervisor a utilização de período de verificação diverso apenas nos casos de superávit e déficit apurados até a data de publicação da Resolução.

Não é rara, porém, a existência de situações em que não se consegue identificar a origem precisa do superávit, principalmente em planos que apresentam resultados superavitários há bastante tempo, mesmo sem contar com a contribuição de participantes e de patrocinadores.

Há, ainda, situações em que patrocinadores assumiram a responsabilidade pelo equacionamento de eventuais déficits, mas têm encontrado resistência no reconhecimento do seu direito a parcela do superávit – mesmo que déficit e superávit sejam, como se sabe, duas faces da mesma moeda.

Também tem se debatido sobre os procedimentos necessários para que o patrocinador possa se utilizar da prerrogativa prevista no item 11.2 do Anexo à Resolução CGPC nº 18/2006, que permite a inserção de cláusula nos contratos de dívida para revisão anual do saldo devedor em função de perdas e ganhos atuariais.

Tal norma possibilita que o patrocinador incorpore ao seu patrimônio um ganho atuarial no próprio ano em que verificado, independentemente de constituição de reserva de contingência ou especial, o que tem encontrado alguma resistência entre os Auditores-Fiscais da PREVIC.

Ainda sobre distribuição de superávit, recentemente a Procuradoria Federal da PREVIC sustentou o entendimento de que, mesmo após o cancelamento da inscrição de todos os participantes de determinado plano de benefícios, na forma do regulamento, os “recursos remanescentes” não podem ser devolvidos para o patrocinador.

No entendimento então consignado, se não há passivo atuarial, não há que se falar em constituição de reserva de contingência ou especial, nem tampouco em reversão de valores.

Desse modo, tais recursos remanescentes deveriam ser incorporados ao plano de gestão administrativa, como “patrimônio geral” da entidade fechada.

Embora não se saiba se esse entendimento irá prevalecer, o fato é que se faz necessário um melhor esclarecimento do órgão fiscalizador sobre a aplicação dos normativos em vigor, de forma a não se criar ou frustrar expectativas que eventualmente possam se formar sobre os recursos dos planos de benefícios.

Equacionamento de déficit O artigo 18, § 3º, da LC nº 109/2001 estabelece que as reservas técnicas, provisões e fundos de cada plano de benefícios devem “atender permanentemente à cobertura integral dos compromissos assumidos pelos planos de benefícios.”

Embora a Lei Complementar afirme que esse equilíbrio tem que ser permanente, o artigo 28 da Resolução nº 26/2008 distingue situações de déficit conjuntural e estrutural.
O déficit conjuntural está relacionado normalmente a variações de mercado, o que deve ser atestado em parecer atuarial (art. 28, § 1º, Resolução 26/2008). Já o déficit estrutural decorre da utilização de premissas atuariais inadequadas, implicando maior risco para a entidade.

Apesar de o artigo 28 da Resolução afirmar que o equacionamento do déficit deve ser imediato, a Resolução permite que se aguarde o levantamento das demonstrações contábeis do exercício imediatamente subsequente à apuração inicial do resultado deficitário quando o déficit for conjuntural (art. 28, § 1º). Exige-se, adicionalmente, que o valor da insuficiência seja inferior a 10% e que os recursos sejam suficientes para arcar com os compromissos do exercício subsequente.

O artigo 21 da LC nº 109/2001 prevê que o resultado deficitário deve ser equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, proporcionalmente. O artigo 29 da Resolução nº 26/2008, por sua vez, explicita que se deve observar “a proporção quanto às contribuições normais vertidas no exercício em que apurado o resultado”.
Neste ponto, cumpre ressaltar que a regra do artigo 15 da Resolução, relativa à aferição da proporcionalidade para fins de distribuição de superávit, é bem mais clara. De acordo com o artigo 15, identifica-se primeiro os montantes atribuíveis aos participantes e assistidos, de um lado, e ao patrocinador, de outro, segundo o volume de contribuições normais aportadas. Definido o montante atribuível aos participantes e assistidos, deve-se considerar a reserva matemática ou o benefício efetivo ou projetado atribuível a cada um deles, e não mais o volume de contribuições normais.

Essa regra é importante, na medida em que pode não haver registro de contribuições normais aportadas pelos assistidos no período em que apurado o déficit ou o superávit. Desse modo, embora a LC nº 109/2001 preveja expressamente a participação dos assistidos tanto na distribuição de superávit quanto no equacionamento do déficit, a consideração apenas do volume de contribuições normais no período em que verificado o desequilíbrio poderia levar à conclusão de que os assistidos não devem partilhar desses resultados.
Nessa linha, o órgão supervisor decidiu recentemente que a Resolução nº 26/2008 deve ser interpretada sistematicamente, aplicando-se o procedimento do artigo 15, caput, e do artigo 16 também às situações de equacionamento de déficit.

Outra discussão importante diz respeito a casos em que o resultado deficitário decorre de alguma ação ou omissão do patrocinador do respectivo plano de benefícios. Essa situação ganha especial relevo quando se trata de patrocinador público, em função da regra da paridade contributiva inserida no artigo 202, § 3º, da Constituição Federal.
Sobre o tema, a PREVIC tem sustentado que, para o fim de fixar a proporção contributiva no equacionamento de déficit, é indiferente a identificação do agente causador, embora a própria Resolução mencione a possibilidade de propositura de ação regressiva contra “terceiros que tenham dado causa a dano ou prejuízo ao plano de benefícios administrado pela EFPC.”

Esse entendimento não se aplica, contudo, no caso de não pagamento das contribuições normais devidas pelo patrocinador, que podem ser objeto inclusive de contrato de dívida, na forma da Resolução CGPC nº 17/1996 e do item 11.1 da Resolução CGPC nº 18/2006.
Também já se verificou situação, ainda sob a égide da Lei nº 6.534/77, em que o patrocinador reduziu unilateralmente suas contribuições, gerando grave situação de déficit, sem que a EFPC tivesse instrumento hábil para se opor a essa decisão. Tal situação teria ocorrido, ademais, durante período em que seria possível a assunção de encargos adicionais pela patrocinadora pública (art. 42, § 3º, Lei nº 6.435/77).
Dessa forma, não nos parece absoluta a afirmação de que a fixação da proporcionalidade para fins de equacionamento de déficit independa do agente causador.

A possibilidade de construção de soluções consensuais pelas EFPC e patrocinadoras nesses casos, quando houver reconhecimento inconteste da responsabilidade pela ocorrência do déficit, poderia evitar a judicialização desses conflitos, com todos os custos e desgastes que isso implica. Principalmente após a criação da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem pela PREVIC, soluções dessa espécie deveriam ser mais consideradas pela Autarquia.

Conclusão

A edição da Resolução nº 26/2008 constitui um verdadeiro marco para o sistema de previdência complementar fechado. A definição de parâmetros mais claros para a aplicação dos artigos 20 e 21 da LC nº 109/2001 representou um grande avanço, na medida em que limitou a discricionariedade do órgão supervisor na sua interpretação.
É necessário, contudo, reconhecer que há diversos pontos relevantes ainda passíveis de aprimoramento, seja por meio de uma revisão pontual da norma, seja pela expedição de orientações uniformes pelo órgão supervisor. Em se tratando de um tema tão complexo como déficit e superávit, quanto menos controvérsias, melhor.

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Artigo Revista ABRAPP nº 385 – Março_Abril de 2013 – Resolução 26

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GUILHERME LOUREIRO PEROCCO é sócio-fundador do escritório Loureiro Advogados Associados e Membro da International Pension & Employee Benefits Lawyers Association – IPEBLA.